O Contexto do chamado Divino: o envio dos setenta e dois
Quando Jesus pronunciou as palavras “A messe é grande, mas os operários são poucos” (Lc 10,2), Ele o fez em um momento crucial de seu ministério. Não foi um lamento casual, mas um diagnóstico preciso da realidade que via, carregado de compaixão pelas multidões que eram “como ovelhas sem pastor”.
Essas palavras surgem no contexto do envio dos setenta e dois discípulos em missão. Antes de enviá-los de dois em dois, Jesus não apenas lhes deu instruções precisas, mas também chamou a atenção para a vastidão da tarefa que tinham pela frente e a escassez de braços dispostos a abraçá-la.
Este apelo não se limitou àqueles setenta e dois homens; brotou do próprio coração de Cristo e se dirige a todos nós, em todos os tempos. A natureza da missão era clara: ir adiante de Jesus a cada cidade e lugar onde Ele mesmo haveria de ir, anunciando a paz “A paz esteja convosco” e curando os enfermos.
Isso demonstra a abrangência do trabalho missionário: não apenas o anúncio da Palavra, mas também a manifestação concreta do Reino de Deus através do cuidado e da restauração. A primeira ação que Jesus pede antes mesmo do envio é a oração: Ele os exorta a “rogai, pois, ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe!” (Lc 10,2).
A oração é, portanto, o primeiro e fundamental ato missionário, reconhecendo que a messe pertence a Deus e que Ele é quem chama e envia. Esse apelo à oração e ao envio ressoa até hoje, convidando-nos a refletir sobre nossa própria parte na grande obra de Deus.
■ Índice desse artigo
A vastidão da “messe”: os campos prontos para a colheita
A “messe” à qual Jesus se refere não é apenas um campo de trigo literal; é o mundo em sua totalidade, com suas complexidades, suas dores e suas buscas. O olhar de compaixão de Jesus, que via as multidões como ovelhas sem pastor, permanece incrivelmente atual em nossos dias. Hoje, a messe continua vasta e exigente, repleta de necessidades que clamam por operários dispostos a trabalhar.
Os campos dessa messe contemporânea são multifacetados:
- A Messe Espiritual: Em meio a tantas distrações e propostas de felicidade vazias, há uma profunda sede de sentido, de esperança, de paz interior e de perdão. Pessoas buscam respostas para as grandes perguntas da vida, anseiam por uma conexão com o transcendente e por uma verdade que preencha o vazio existencial.
- A Messe Social: A realidade social global é marcada por injustiças gritantes, desigualdades, solidão crescente, famílias desestruturadas, vícios devastadores e um desespero que assola corações em todas as classes sociais. A messe clama por operários que trabalhem pela justiça, pela caridade, pela promoção humana e pela dignidade de cada indivíduo.
- A Messe Material e Ambiental: A pobreza ainda assola milhões, e a falta de cuidado com a Criação Divina gera crises ambientais que afetam a todos. A messe precisa de operários que atuem na solidariedade concreta e na conscientização e ação para a preservação do planeta.
- A Messe Tecnológica e Digital: O mundo digital emergiu como um novo e vasto continente a ser evangelizado. As redes sociais, os fóruns online, os espaços virtuais são ambientes onde as pessoas interagem, buscam informações e formam suas opiniões. Há uma necessidade urgente de operários que levem a luz do Evangelho para esses espaços, combatendo a desinformação, o ódio e promovendo o diálogo e a verdade com caridade.
Todas essas dimensões da messe clamam por testemunhas. O mundo não precisa apenas de palavras, mas de pessoas que, com suas vidas, mostrem o amor de Deus, a beleza da fé e a esperança que dela brota. O convite de Jesus é um chamado a reconhecer a urgência e a vastidão dessa colheita espiritual e humana, e a discernir nosso papel nela.
O Desafio dos “Poucos Operários”
Se a messe é tão vasta e as necessidades tão evidentes, por que, então, os operários continuam sendo poucos? A resposta não reside na ausência do chamado divino, pois Deus continuamente convoca, mas sim nas dificuldades que muitos encontram para ouvir e, principalmente, para responder.
Um dos maiores desafios é o ritmo acelerado da vida moderna. Em um mundo onde os apelos são tantos e a correria é tão intensa, poucos param para ouvir o Senhor, e menos ainda para ouvir algum convite ou apelo.
O barulho constante, a sobrecarga de informações e a cultura da produtividade imediata sufocam a voz suave de Deus que fala na interioridade. Falta tempo para o silêncio, para a reflexão e para a oração, que são essenciais para discernir a vontade divina.
Além disso, existem equívocos comuns que nos afastam do chamado:
- O egoísmo e o comodismo: Por vezes, a “falta de tempo” é apenas um disfarce para o comodismo ou para o egoísmo. Preferimos nossa zona de conforto, nossos próprios planos e interesses, a nos entregarmos a uma missão que exige sacrifício e desinstalação. O medo de sair de si mesmo, de renunciar a algo, de enfrentar o desconhecido, paralisa a resposta.
- A falsa ideia de vocação restrita: Há quem pense que ser “operário do Senhor” é tarefa apenas dos padres, religiosas ou missionários. Essa visão é uma distorção do chamado universal. O Batismo nos confere a dignidade de filhos de Deus e a missão de sermos missionários em todos os aspectos de nossa vida. O chamado de Cristo é para todos, não apenas para aqueles em vocações de vida consagrada ou no sacerdócio. Cada um, em seu estado de vida – seja casado, solteiro, pai, mãe, estudante, profissional – é chamado a ser um operário na messe.
- A falsa ideia de indignidade ou imperfeição: Muitos se colocam à margem desse convite por pensarem que “não são dignos” ou que não são “santos o suficiente”. Essa é uma armadilha que nos impede de dar o primeiro passo. Deus não chama os capacitados; Ele capacita os chamados. Ele nos conhece em nossas fragilidades e imperfeições, e é justamente através delas que Sua graça pode se manifestar com mais força. Não precisamos ser perfeitos nem especialistas em teologia; basta ter um coração disponível e o desejo sincero de colaborar com Deus.
A dificuldade em corresponder ao chamado exige, portanto, uma disponibilidade interior profunda, a capacidade de sair de si mesmo e um amor genuíno. É um convite à conversão constante, à superação de medos e à confiança na providência divina que nos guia e nos fortalece.
O chamado interior: trabalhar na messe começa em si mesmo
A compreensão do chamado de Jesus não se restringe a uma ação externa imediata. A verdade profunda é que ser chamado a trabalhar na Messe é, antes de tudo, ser chamado a trabalhar primeiro em si mesmo. Essa dimensão interior é o alicerce fundamental para qualquer ação missionária verdadeira. Conectando-nos com a lição de Marta e Maria, não se pode dar o que não se tem. Para levar a paz, a esperança e o amor de Deus ao mundo, é preciso primeiro se encher do Espírito de Deus.
Esse processo se dá através da oração constante, da meditação da Palavra, da vivência dos sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Reconciliação, e da participação ativa na vida comunitária da Igreja. É um caminho de auto conversão e de permitir que Deus nos molde, nos cure e nos transforme em Seus instrumentos.
O operário que se dispõe a trabalhar na messe é, ele próprio, um campo que está sendo cultivado pela graça divina. Como Jesus ensinou aos Setenta e Dois, o primeiro anúncio ao chegar a um lugar é: “A Paz esteja convosco” (Lc 10,5). Essa paz, para ser oferecida com autenticidade, precisa habitar primeiro no coração do mensageiro. É a paz de Cristo que recebemos e que somos convidados a partilhar.
A vocação de ser “operário” é, antes de tudo, a vocação à santidade, à plenitude humana e a se tornar sempre mais quem Ele nos criou para ser. Somente um coração cheio de Deus pode transbordar o amor necessário para a colheita.
O campo de missão: família, trabalho e vizinhança – O cotidiano como altar
Uma vez compreendido que o chamado é universal e que o trabalho na messe começa em nosso interior, é crucial desmistificar a ideia de que a missão é algo distante, reservado apenas para lugares exóticos ou para missões ad gentes em terras longínquas. A verdade é que o Evangelho nos chama a ser operários onde já estamos, no nosso cotidiano, nos ambientes que frequentamos.
Nossos primeiros e mais importantes campos de missão são:
- A Família: O lar é a “Igreja doméstica”, o primeiro lugar onde o amor de Deus deve ser testemunhado. O dia a dia familiar, com seus desafios e alegrias, é o palco para o exercício da paciência, do perdão, do diálogo, da oração em comum e da vivência da caridade. O testemunho dos pais para os filhos, e dos filhos para os pais, é a semente mais eficaz.
- O Local de Trabalho: O ambiente profissional é um espaço privilegiado para a evangelização através do testemunho. Isso se manifesta na ética, na integridade, na dedicação, na busca pela justiça, no respeito aos colegas e na capacidade de promover um clima de paz e colaboração. Ser um “operário” no trabalho significa santificar o ambiente com a própria presença e com o serviço diligente.
- A Vizinhança e a Comunidade: Nossas relações com os vizinhos, amigos e membros da comunidade são oportunidades diárias para pequenos gestos de bondade, solidariedade e acolhimento. Um sorriso, uma palavra de incentivo, uma ajuda prática, a escuta atenta – tudo isso pode ser semente do Evangelho.
- As Redes Sociais e Meios Digitais: Como um novo “continente” a ser evangelizado, o mundo digital exige operários que levem a mensagem de Cristo para esses espaços. Testemunhar a fé online, partilhar conteúdos inspiradores, promover o diálogo construtivo e combater a desinformação e o ódio são novas fronteiras da messe.
Somos chamados para levar o Evangelho para as nossas famílias, para o local do nosso trabalho, para a vizinhança. Ser um operário significa ser um sinal de esperança, instrumento de paz e testemunha do Evangelho em meio à nossa vida comum. Cada um, com seus talentos e limites, pode fazer a diferença onde está, tornando seu cotidiano um altar para o serviço de Deus.
O convite continua atual
Portanto, se a messe continua grande, o Senhor continua a chamar. E hoje Ele chama a mim e a você. O apelo de Jesus ecoa com a mesma urgência e amor de dois mil anos atrás. Ele não busca os perfeitos, mas os disponíveis. Ele não busca grandes nomes, mas corações abertos para a Sua vontade.
Ao escutar esse convite que ressoa em nosso interior, que possamos dizer como Isaías: “Eis-me aqui, envia-me!” (Is 6,8). Essa é a resposta de um coração generoso, que se coloca à disposição de Deus, mesmo ciente de suas próprias fragilidades e limitações.
Quando nos dispomos a colaborar, mesmo com nossas imperfeições, o Senhor nos capacita com Sua graça, nos fortalece com Seu Espírito e torna fecundo o trabalho de nossas mãos. A messe é grande, sim, mas o Senhor é maior, e Ele nos convida a ser parte de Sua divina colheita.
Um convite que não passa
O apelo de Jesus em Lucas 10,2 – “A messe é grande, mas os operários são poucos” – é um convite perene à nossa responsabilidade missionária. Não é uma constatação de escassez sem solução, mas um chamado urgente à oração e à ação de cada batizado.
Vimos que a “messe” abrange todas as dimensões da vida humana e do mundo, sedentas da esperança e do amor de Deus. A aparente falta de operários não se deve à ausência do chamado divino, mas às distrações, ao comodismo e aos equívocos sobre a universalidade da missão.
Compreendemos que ser um operário na messe começa no trabalho interior, no “ser” cheio do Espírito de Deus, para então poder transbordar no “fazer” em nossos campos de missão mais próximos: a família, o trabalho e a vizinhança. Que a resposta do profeta Isaías, “Eis-me aqui, envia-me!”, ressoe em nossos corações, inspirando-nos a uma disponibilidade generosa.
Pois, é na nossa fragilidade que a força do Senhor se manifesta, tornando nosso humilde trabalho fecundo para a construção de um mundo de paz e amor, um mundo onde a messe do Senhor possa finalmente ser colhida em sua plenitude.
Um vídeo especial sobre esse tema está em meu canal do Youtube. Assista, você vai gostar!